Na internet, qualquer um poderia ser o que quisesse e ninguém ficaria sabendo.
Foi com essa frase, ilustrada com uma charge, que a revista New Yorker anunciou ao mundo que, na internet, qualquer um poderia ser o que quisesse e ninguém ficaria sabendo.
No livro “O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você“, Eli Pariser1, cofundador da Avaaz.org, uma das maiores organizações ativistas do mundo, e presidente do conselho diretor da MovOn.org, disse que, atualmente2 recebemos cerca 900 mil postagens em blogs, 50 milhões de tweets, mais de 60 milhões de atualizações de status no Facebook e 210 bilhões de e-mails.
No mesmo livro, citando Eric Schimidt, disse que se gravássemos todas as conversas humanas desde o início dos tempos, até 2003, precisaríamos de aproximadamente 5 bilhões de gigabytes para armazená-las.
“Nos tempos atuais estamos criando a mesma quantidade de dados a cada dois dias“. Como “não há almoço grátis“, o próprio Pariser avisa que nos buscadores de conteúdo como Google, Yahoo, Youtube, Facebook ou Microsoft Live, quem paga todos os serviços é você, e não o anunciante.
A cada clique que você dá numa matéria do seu interesse, um cookie instalado no seu computador, e que você não consegue ver nem deletar, vai formando na memória de supercomputadores no Vale do Silício uma espécie de avatar de você mesmo, e cada informação adicionada a esse avatar é leiloada em tempo real num nervoso mercado de negócios.
Empresas do mundo todo que produzem e entregam tudo aquilo que você quer ou pelo qual simplesmente se mostrou minimamente interessado compram essas informações por centavos de dólar.
Você é a moeda.
É por isso que, do nada, aparecem na sua tela, “coincidentemente” depois de você clicar aqui e ali, anúncios de produtos ou serviços sobre aquele assunto em que você clicou inadvertidamente enquanto curtia as fotos que a sua colega de escritório tirou no lombo de um camelo nas férias no Marrocos ou tomando frapê de coco num caiaque rústico na Polinésia francesa.
A lei 13.709/18 Lei Geral de Proteção de Dados , inspirada no Regulamento Geral de Proteção de Dados Pessoais (GDPR) europeu, veio para aposentar os velhos formulários de entrevista de emprego, as fichas de registro, os controles físicos de ponto, contracheques, contratos e documentos internos que circulam sem o menor controle.
Em qualquer lugar, do posto de gasolina ao supermercado, da farmácia ao metrô, na recepção dos hotéis, na fatura do cartão de crédito, no Ifood ou na contratação do Uber fornecemos diariamente dados preciosos sobre nós mesmos.
Tudo isso nos torna vulneráveis e, ao mesmo tempo, uma espécie de bitcoins. A partir de agora, as empresas, especialmente as de marketing, e-commerce, telecomunicações e tecnologia , terão de ser ainda mais responsáveis pelos dados dos empregados, fornecedores e clientes.
Será preciso armazená-los em ambientes seguros. Essa lei protege dados das pessoas físicas ou jurídicas onde quer que estejam armazenados, desde que coletados no Brasil.
Todos têm, a partir de agora, de respeitar a privacidade, a autodeterminação informativa, a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião, a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem, o desenvolvimento econômico e tecnológico, a inovação, a livre iniciativa, a livre concorrência, a defesa do consumidor e os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.
A LGPD não se aplica aos dados pessoais coletados por pessoa natural para fins particulares e não econômicos; aos dados coletados para fins jornalísticos e artísticos ou acadêmicos; aos dados coletados para fins exclusivos de segurança pública, defesa nacional, segurança do Estado ou atividades de investigação e repressão de infrações penais; aos dados provenientes de fora do país e que não sejam objeto de comunicação, uso compartilhado de dados com agentes de tratamento brasileiros ou objeto de transferência internacional de dados com outro país que não o de proveniência.
Atenção especial deve ser dada aos “dados sensíveis”, assim entendidos os relativos à saúde, vida sexual, padrão genético ou biométrico, origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político.
A pessoal natural é titular desses dados e pode limitar o seu uso por terceiros quando e onde quiser.
O titular dos dados precisa autorizar por escrito o seu uso em atividades específicas.
Por fim, a LGPD promete respeitar a boa-fé, a adequação (uso dos dados de acordo com o que foi autorizado pelo titular), a necessidade (limitação do uso dos dados ao mínimo necessário), o livre acesso (consulta gratuita e facilitada do uso dos dados pelo titular), a qualidade (uso dos dados com exatidão, clareza, relevância e atualização), a transparência, a segurança, a prevenção, não discriminação, a responsabilização e a prestação de contas.
O consentimento do titular dos dados não é necessário quando o próprio titular torná-los públicos, quando os dados forem indispensáveis ao cumprimento de obrigação legal ou regulatória; quando necessários à execução de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos pela administração pública; em pesquisas, garantido o sigilo dos dados sensíveis; no exercício regular de direitos, inclusive em contrato e em processo judicial, administrativo e arbitral, para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro, na tutela da saúde por profissionais da área da saúde ou entidades sanitárias e na prevenção à fraude e à segurança do titular nos processos de identificação e autenticação de cadastro em sistemas eletrônicos.
Voltando ao tema de que não há almoço grátis, agora mesmo, enquanto você lê este artigo, os donos desses leilões virtuais para quem você gentilmente repassou alguns dados pessoais estão alguns milhões de euros mais ricos e esperam que você continue clicando desesperadamente em tudo quanto é site que vir pela frente.
The show must go on!
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1 Zahar, 2012, p.11 e 15.
2 O livro foi publicado nos EUA em 2011.
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